segunda-feira, 20 de abril de 2015

Máquinas de ensinar – sim ou não? [Parte 3]


Publicado em 19.04.2015

hipercrônicas - flickr - robot by Steve Jurvetson
Será que as máquinas de ensinar substituirão os professores em sala de aula?
Quem acompanha o noticiário já teve contato com a notícia de que em alguns lugares do mundo já existem robôs professores atuando em salas de aula.
Como, por exemplo, o conteúdo dessa manchete:
Robôs substituem professores em salas de aula da Coreia do Sul
No entanto, esse projeto que levou 29 robôs para ensinar inglês a jovens coreanos, na verdade utilizou-se de uma tecnologia de avatar, ou seja, os tais robôs são controlados remotamente por professores humanos que ficam em outro local (no caso esses professores ministravam suas aulas em uma sala de controle sediada nas Filipinas).
Evidentemente não se trata aqui de uma substituição do professor pelo robô, mas de um recurso que possibilita o ensino à distância dotado de uma maior interatividade, do aquele efetuado por videoconferência, por exemplo.
Quando se fala de substituição do professor (ou do tutor — como preferem alguns especialistas) por um sistema baseado em computador, torna-se necessário a aplicação de sofisticados recursos da inteligência artificial que possam emular todas as estratégias didáticas desse tutor, incluindo aí a avaliação continuada e a criação de feedbacks pertinentes.
É importante frisar que tais sistemas – por mais sofisticados que sejam – trabalham no modelo instrucional. Isso quer dizer que transmitem instruções que querem gerar uma mudança na base de conhecimento e/ou do comportamento do aprendiz.
Por exemplo, treinar operadores de máquinas de precisão em unidades fabris.
Quando se projeta e constrói tais sistemas o foco está nas habilidades e competências que se deseja desenvolver no aprendiz dentro de um determinado tempo de treinamento.
As arquiteturas variam substancialmente de aplicação à aplicação, mas todas possuem em comum uma estrutura fundamental como a descrita a seguir
Base de um Sistema Tutorial Inteligente
A arquitetura genérica de Sistemas tutoriais inteligentes é construída por quatro módulos ou subsistemas:
  1. Módulo de interface: fornece os recursos de interação entre os usuários e o STI, geralmente estabelecido por intermédio de interfaces gráficas que podem gerar, por exemplo simulações do domínio de tarefas que o aluno está aprendendo.
Um dos casos mais comuns é a simulação de estações de controles de unidades fabris para o treinamento de operadores.
  1. Módulo do especialista: contém a base de dados que engloba os conhecimentos ou comportamentos que devem ser ensinados e representam assim as competências no objeto de domínio no qual o STI está programado.
Geralmente se estabelece modelos cognitivos que emulam os mapas semânticos de um especialista naquela área de ação ou de domínio do saber.
Um exemplo seria o tipo de diagnóstico e subsequentes ações corretivas que um perito técnico teria que aprender a fazer quando confrontado com um dispositivo ou sistema com defeito.
  1. Módulo do aprendiz: gera mapeamentos semânticos do aprendiz, modelando seu comportamento por meio de descrições de sua base cognitiva em diversos estágios de seu aprendizado incluindo seus equívocos e lacunas de conhecimento. Faz uma constante comparação, por meio de testes e avaliações entre a base de dados do aprendiz e aquela contida no módulo do especialista.
  2. Módulo do tutor: carrega o mapeamento semântico de tutores humanos e suas estratégias instrucionais para corrigir as discrepâncias entre o comportamento ou o conhecimento de um aprendiz (obtido por seu respectivo módulo) e o comportamento ou o conhecimento presumível do perito contido no módulo do especialista.
É nesse módulo que a carga de recursos da inteligência artificial aumenta e, consequentemente, sua complexidade, algo que transcende a expressão “máquinas de ensinar”.
Avaliando essa sua arquitetura base é fácil constatar que um sistema tutorial inteligente é tão eficaz quanto for a modelagem realizada tanto do especialista, quanto do tutor e aprendiz.
Sua construção requer uma preparação cuidadosa não apenas na formalização dos dados na base de conhecimento e comportamentos possíveis do especialista, do aprendiz e do tutor. O sistema deve ser capaz de oferecer feedback e instrução concatenada com o nível de aprendizado por meio de motores de inferência, estabelecendo avaliações do aprendiz e do próprio processo com mudanças de estratégias conforme a rede semântica vá se formando.
Algo que por si só sempre se caracteriza como desafiador para as mais experientes equipes de programadores e se configura em uma quantidade substancial de horas de trabalho, mesmo com a evolução das ferramentas de autoria.
Isto significa que a arquitetura de Sistemas Tutoriais Inteligentes ainda é muito cara justificando seu emprego apenas quando não for possível a aplicação de tutores humanos.
Os “trolls” de plantão, podem cinicamente apontar aí uma vantagem dos baixos salários pagos aos professores — por ser mão-de-obra barata o professor não será tão facilmente substituído pela máquina.
Será?
Com o avanço da tecnologia, módulos de IA se tornarão cada vez mais comuns e os hardwares cada vez mais baratos a ponto de que essa possibilidade num futuro não tão distante não seja tão remota assim.
Cabe, assim, algumas reflexões terríveis:
— Que sociedade é essa que nivela por baixo o valor dado aos seus professores?
— Que professores são esses que poderão ser substituídos por máquinas? Quais são os seus valores? Qual é o exemplo que dá como ser humano e como categoria moral?
Ensinar, a meu ver, não se resume numa linha de procedimentos ou no mapeamento de uma rotina.
Mas, há quem diga que pessoas que se comportam como máquinas merecem ser substituídas por uma, ou não?
Eu ainda prefiro a constatação poética de Helena Kolody:
– Jamais o computador substituirá o trabalho genuinamente humano. Pois computadores não programam ternura!

-o-
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