segunda-feira, 13 de maio de 2013

Mães que adotaram crianças deficientes declaram seu amor



Não há dúvidas de que adotar é um ator de amor. Mas adotar uma criança com deficiência mental é para poucos.

Mary Juruna/MidiaNews
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Antônio e Beatriz: garoto com síndrome de down é o "dengo" da família
CAROLINA HOLLAND
DA REDAÇÃO
Em novembro de 2010, Selma Ferreira da Silva, de 37 anos, percebeu que um dos colegas de UTI de seu filho, internado num hospital particular de Cuiabá, já tinha recebido alta, mas a mãe não o levava para casa.

O bebê estava com 1 ano e tinha paralisia cerebral. Selma conta que sentiu um amor inexplicável por ele. E percebeu que estava, aos poucos, sendo abandonado pela mãe. Começava ali a luta para conseguir tornar-se mãe dele. Ela já tinha três filhos. Biológicos.

Há 8 anos, a terapeuta ocupacional Beatriz Prieto Mello, de 54 anos, apaixonou-se à primeira vista por Antônio Paulo K.C.L., um índio cinta-larga, à época com meses de vida, que estava internado em um hospital de Cuiabá, apto para adoção.

Portador de síndrome de down, Antônio escapou, graças à mãe biológica, do destino que sua etnia impõe às crianças que nascem com deficiência: o sacrifício. E, depois de meses internado em três hospitais diferentes, conseguiu ir para um novo lar, onde vive até hoje. E ganhou três irmãs.

Não há dúvidas de que adotar é um ator de amor. Mas adotar uma criança com deficiência mental é para poucos. Requer, além de amor, coragem, desprendimento e uma mente livre de preconceitos.

E Selma e Beatriz fazem parte desse grupo restrito de mulheres excepcionais. São mães capazes de entender que uma criança com deficiência não é um problema, e sim, um ser humano carente de amor e de uma família. Como qualquer outro.

Em Cuiabá, das 18 crianças e adolescente aptas a serem adotadas, com idade entre 9 e 17 anos, 11 têm algum problema de saúde, como doenças físicas e mentais.

Os pretendentes da Capital inscritos no Cadastro Nacional de Adoção somam 106. Matematicamente, daria para cada uma dessas 11 crianças ter 9 pais. Mesmo assim, a espera delas continua. Sem data para terminar.

A presidente e fundadora da Ampara (Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção), Lindacir Rocha Bernandon, de 56 anos, confirma que a maioria dos pais não quer crianças com deficiência.

“Tanto que quando eles se cadastram, eles preenchem uma ficha onde já dizem que não querem criança assim. De todos os pretendentes a adotar em Cuiabá, nenhum quer uma pessoa nessa condição”, afirma.

Na Ampara, os pais fazem o pré-natal, preparação obrigatória para quem quer adotar, e também o pós-adoção, que acompanha a vida da família após a chegada do novo integrante.

Luta na Justiça
Selma conta que, nos 30 dias em que precisou visitar o filho Vitor, de 11 anos, no hospital, viu a mãe de M. somente duas ou três vezes.

“Comecei a sentir um amor incrível por ele. E meu esposo, quando comecei a me interessar mais e a perguntar sobre a história dele para o pessoal do hospital, já sabia que eu iria querer adotar aquela criança”, relata.

Mas não foi fácil. Primeiramente, ela tentou ajudar a mãe, se propondo a lutar com ela pra conseguir home care para M. A mulher se interessou por um momento, mas depois passou um tempo sem entrar em contato.

Quando finalmente ligou para Selma, confessou que não queria mais o bebê e que estava disposta a doá-lo para adoção. Foi quando a enfermeira disse que gostaria de ficar com ele – mas passando pelo processo legal de adoção. 
Mary Juruna/MidiaNews
Selma: batalha pela guarda provisória demorou mais de um ano


Depois disso, M. foi encaminhado, por determinação judicial, para o Lar da Criança. Selma ia visitá-lo todos os dias, enquanto o pedido de guarda da criança tramitava na Justiça. A primeira resposta foi negativa.

“Aquilo acabou comigo. Chorei muito e quase desanimei. Mas ergui a cabeça e decidi continuar tentando”, diz.

A segunda tentativa, mais de um ano depois que ela conheceu a criança, deu certo e Selma conseguiu a guarda provisória.

M., de 3 anos, chegou à casa dela em maio do ano passado e está em home care. O desempenho da enfermeira como mãe tem sido acompanhado de perto pela Justiça. O objetivo dela é conseguir a guarda definitiva do garoto.

Os três irmãos de M., diz Selma, acolheram bem o menino desde o começo e ajudam a cuidar dele. Principalmente Yasmin, de 9 anos, que virou uma espécie de enfermeira mirim do irmão.

No começo, o marido de Selma, o funcionário público Joermindo Arcanjo da Silva, de 57 anos, mostrou-se um pouco resistente em relação à adoção, porque um dos filhos do casal, Vitor, também tem deficiência. Ele não anda, não fala e não come sozinho.

“Hoje, é um paizão. Ele cuida, fica perto, senta ao lado dele, balança a cadeira de rodas do M.”, conta a enfermeira.

M. não enxerga, não anda e não fala. Mas é um menino forte, saudável, bem cuidado. E responde a estímulos. Ele se desmanchou em sorrisos ao receber um carinho no rosto feito pela equipe de reportagem.

“Não tem segredo para criar um filho, seja deficiente ou não. É preciso ter amor, dedicação, paciência. Isso vale para todos”, diz Selma.

Amor à primeira vista

Beatriz viu Antônio Paulo pela primeira vez pela televisão. Numa sexta-feira, após o trabalho, decidiu ir para a casa da mãe. Quando chegou, a mãe disse que ia passar uma reportagem que ela iria gostar: era sobre um bebê indígena de seis meses, portador de síndrome de down, que ia ser entregue para adoção.

“No mesmo dia fui até o hospital para visitá-lo e foi amor à primeira vista. Continuei acompanhando no hospital. Quando ele teve alta, três meses depois, eu já tinha a guarda provisória. E ele já veio para minha casa”, relata a terapeuta, dona de uma escola particular na capital.

De início, as três filhas biológicas a aconselharam a não adotar. Diziam que estavam todas crescidas e que Beatriz poderia fazer outras coisas, como viajar, ao invés de cuidar de mais um bebê.

A terapeuta diz que sempre teve um amor muito grande por crianças com síndrome de down e, por conta da profissão, teve contato com muitas delas. E pensava que, se tivesse oportunidade, iria adotar uma.

“São crianças muito afetivas, muito amorosas e sempre tive uma paixão grande por elas”, diz.

A adoção demorou quatro anos e, por se tratar de uma criança indígena, o trâmite foi feito pela Justiça federal.

E, por uma coincidência, Beatriz descobriu que um amigo antropólogo conhecia a família de seu bebê. A mãe biológica, ele contou, tinha mais ou menos a idade da terapeuta e Antônio deveria ser seu 12º filho.

O antropólogo também disse que ficou admirado com a coragem da índia em romper com uma tradição da etnia e entregaro bebê para adoção.

“Ele é um guerreiro. Já passou por várias cirurgias, foi desacreditado por médicos. Mas filhos sempre demandam cuidados. E, como mãe, independentemente de ser biológico ou adotivo, temos que estar dispostas pra tudo, isso é normal”, diz.

Beatriz considera que o filho trouxe muita alegria e união à família. As irmãs sempre foram muito presentes e ajudam muito com ele. Antônio Paulo não fala, não ouve e tem uma doença respiratória muito séria.

Ele acordou quando a reportagem estava no meio da entrevista com a mãe. E logo se enturmou. Quis tirar foto junto com todos e logo aprendeu a mexer na câmera fotográfica. Carinhoso e simpático, o menino gesticulou o tempo todo e era só mimos com Beatriz.

"A criança com síndrome de down é um presente. Ela traz uma vivência de vida de amor incondicional que é maravilhosa", derrete-se Beatriz.



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