quinta-feira, 22 de novembro de 2012

METODOLOGIAS PARA AS DIVERSIDADES: FAZERES NA EDUCAÇÃO ESPECIAL


METODOLOGIAS PARA AS DIVERSIDADES: FAZERES NA EDUCAÇÃO ESPECIAL


Sonia Maria de Oliveira [1]

RESUMO: Em tempos atuais, as exigências enunciadas através dos grandes acordos internacionais cobram severas mudanças no espaço escolar, tanto no aspecto teórico quanto no aspecto metodológico. Existem Legislações Brasileiras que ratificam e operacionalizam estas ações, dentre elas, a nossa Constituição Federal e o documento Educação Para Todos, que em suas diretrizes, vem sinalizar a importância do trabalho educacional da Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva, no sentido de dar visibilidade ao ser humano que traz consigo algum tipo de deficiência, promovendo assim a perspectiva de uma docência mais humanizada, que vise à educação de TODOS, não como uma produção em série de seres preparados para a competição e o consumo, como exige nossa atual sociedade.

PALAVRAS-CHAVEEducação. Metodologias. Deficiência Visual.

INTRODUÇÃO


A idéia central na produção deste artigo é o de contribuir com os educadores, as experiências vivenciadas em escola especializada e atualmente, no exercício da função de Professora Formadora do CEFAPRO de Cáceres-MT. Aqui serão relatadas situações de experiência vivenciadas a partir de um contexto pedagógico, todas tem seu lado positivo, pelas oportunidades de promoverem as trocas de experiências e o crescimento pessoal e profissional das pessoas envolvidas no processo. Queremos aqui enfatizar de forma veemente, a necessidade da escola e todos os seus profissionais saírem em busca de conhecimentos que fortaleça o ensino oferecido na escola, na promoção e uso de um ensino de maior qualidade, pois existem fatores, na maioria dos históricos dos alunos com deficiência, que interferem no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem, dentre eles, a chegada tardia na escola e já apresentando um déficit de desenvolvimento e familiares sem orientações sócio-educacionais, para a promoção das primeiras interações educativas.
1. CUIDADOS NECESSÁRIOS AO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

No contexto atual, a grande preocupação dos teóricos que discutem às demandas da Educação Especial, centraliza-se na preocupante pseudo inclusão percebidas nos espaços  escolares que hoje se dizem e/ou se intitulam de ESCOLAS INCLUSIVAS. No segmento da educação especial o atendimento às pessoas com deficiências (físicas, neurais e sensoriais), das pessoas com Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD) e dos educandos que tenham Alta Habilidades/Superdotação, mesmo na escola regular, ainda são excluídas da essência dos fazeres da escola, ou seja, do processo de ensino e de aprendizagem, que segundo as próprias legislações, deveriam ser um direito inalienável dentro das suas específicas condições de aprendizagens (tempos/ritmos/espaços).
Segundo Skliar (1997), a terminologia Especial dá abertura às diferentes interpretações, que concepções pedagógicas o professor tem hoje diante do termo inclusão? Ainda na concepção de Skliar, especial parte do princípio de uma imposição da deficiência. Este termo refere-se ao fato que a ideologia imposta e a arquitetura não contempla o diferente? Ou o especial é uma referência à uma educação menor?
Os questionamentos do autor nos leva à seguinte reflexão: se a escola tem como objetivos a expansão e difusão dos conhecimentos, então esta mesma escola precisa repensar e reelaborar suas formas de ensino (metodologias) para alcançá-los.

2. O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

Os fazeres pedagógicos têm que partir de um olhar macro, para as particularidades, no caso, as deficiências que os educandos trazem consigo, pois estas, nada mais são do que uma das diversidades apresentadas pela humanidade. Algumas barreiras naturalmente surgirão neste processo, sejam barreiras humanas ou arquitetônicas, dentre as humanas, há que se buscar a subjetividade na compreensão das necessidades individuais, próprias de cada deficiência.
Esse olhar leva à necessidade de novos conhecimentos, que não se restringem a um conhecimento científico ou clínico. O professor que recebe um aluno com diagnóstico clínico tem a necessidade de um entendimento claro do contexto sócio histórico do mesmo, e no que diz respeito aos fazeres do professor, não é importante somente o aspecto clínico, e sim com mais ênfase o pedagógico, que a estes é  direito garantido por lei.
No artigo 208, da nossa Constituição Federal de 1988, há uma determinação para que este atendimento ocorra, preferencialmente, na rede pública de ensino.  E Este é um marco legal que exige da escola um repensar imediato no que se refere a um atendimento pedagógico com maior qualidade, centrada na aprendizagem do aluno.

2.1. A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Os novos fazeres do cotidiano escolar precisam adotar metodologias que favoreçam a aprendizagem do aluno, acionando mecanismos que possibilitem a execução das atividades de forma satisfatória, adequada e motivadora, para que possibilite a concentração e assimilação. Tal metodologia deve servir de ferramenta, de instrumento educacional que, aliado à postura do professor, deverá promover situações de desafios, de resolução de problemas, de exploração e de instigação ao desenvolvimento da inteligência, promovendo assim a assimilação de cultura, construção de conhecimentos e fortalecimento da identidade cidadã.
O uso das metodologias diversificadas, através de jogos interativos (motores e sensoriais), é uma proposta metodológica de ensino e de conceitos relevantes para o desenvolvimento de todo educando, independente da sua condição, pois tem por base a relação entre a atividade motora e o desenvolvimento cognitivo, os resultados com certeza apontarão pontos positivo e a confirmação da inclusão desses alunos com perspectivas na inclusão. A construção dessa nova prática pedagógica requer da escola a compreensão de que:
  • Mesmo sendo um direito, este tipo de atendimento tem que ser apresentado ao aluno e aos seus familiares para que tenham a opção de aceitar ou não a oferta:

  • O serviço especializado é um complemento à educação regular e não substitui o ensino praticado na sala regular e deve ser ofertado em diferentes níveis e modalidades:
  • Por ser ofertada “preferencialmente” pelo ensino regular, é uma necessidade de todos os segmentos da escola se munirem destes novos conhecimentos;
  • O atendimento pedagógico especializado deve ser oferecido no outro período da freqüência em sala regular, pois tem planejamentos e objetivos a serem alcançados com bases nas diferenças individuais;
  • O professor que atende AEE, além da formação em Pedagogia precisa buscar novas formações, especializadas de acordo com o atendimento necessário apresentado pelo aluno, sem perder o foco da diversidade, entender que alunos que apresentam necessidades individuais não estão doentes, portanto não precisa ficar no isolamento para receber atendimento especializado.
3. METODOLOGIA PARA AS DIVERSIDADES COM FOCO NAS ATIVIDADES LÚDICAS

No enfoque teórico deste artigo, salientamos as contribuições de Piaget (2003), em sua obra A construção do real na criança. O enfoque epistemológico genético de Piaget fundamenta-se no potencial  que toda pessoa traz desde o seu nascimento, bem como, como a sua ação sobre os objetos e as pessoas, em diferentes situações, que consideramos como momentos de brincadeiras. Tudo isso pode enunciar processos de estágios de desenvolvimento da criança.
Ainda neste viés, este movimento da criança, segundo Piaget, é a promoção do desenvolvimento de suas habilidades e descobertas do conhecimento na percepção e manipulação de objetos e na comparação das relações de causa e efeito. Este mesmo teórico considera nesta fase, odesenvolvimento cognitivo, como primeira etapa evolutiva no desenvolvimento humano, denominada de sensório-motora. Assim,

Durante os primeiros meses da existência, a criança não dissocia o mundo exterior de sua atividade: os quadros perceptivos, ainda não consolidados em objetos nem coordenados em um espaço coerentes, lhe parecem ser comandados por seus desejos e seus esforços sem que estes sejam, aliás, atribuídos a um eu distinto desse universo (PIAGET, 2003, p. 308).

Para que se cristalize este processo faz-se necessário a promoção de atividades que favoreçam a construção do conhecimento e a promoção das habilidades, percebendo e manipulando objetos, que dentro do contexto, se traduzem em atividades que chamamos de brinquedos e/ou brincadeiras. Em relação a isso, Vygotsky diz que “Assim, ao estabelecer critério para distinguir o brincar da criança de outras formas de atividade, concluímos que no brinquedo a criança cria uma situação imaginária (VYGOTSKY, 1984, p.123).
Em seus registros, Vygotsky evidencia a importância do papel do brinquedo no desenvolvimento infantil numa referência ao ato do brincar, enfatizando mais aos jogos de papéis ou às “brincadeiras de faz-de-conta”. Segundo Vygotsky apud Rego (1995):

Mesmo havendo uma significativa distância entre o comportamento na vida real e o comportamento no brinquedo, a atuação no mundo imaginário e o estabelecimento de regras a serem seguidas criam uma zona de desenvolvimento proximal, na medida em que impulsionam conceitos e processos em desenvolvimento.


Dentre os aspectos a serem considerados para o funcionamento de uma escola inclusiva, é o de uma metodologia mais lúdica, e neste aspecto, podemos içar âncora em leituras de autores, dentre outros, como KISHIMOTO (1998), que usa o termo jogo e brincadeira com o mesmo significado.

4. A DEFICIÊNCIA VISUAL

A função visual consiste basicamente na competência da pessoa em captar e atribuir significado aos estímulos luminosos obtidos pela percepção visual, fazendo o uso do olho como órgão receptor dessa energia física, transformando-a em energia nervosa para enviá-la ao cérebro para o processamento dessa mesma informação, para configurar a mensagem e dar respostas futuras e qualquer alteração neste processo, resultará em uma deficiência visual.
Qualquer alteração na estrutura física ou psicológica seria o que especialistas convencionam de handicap visual. O não funcionamento adequado de ambas as estruturas interferem de qualquer forma, na resposta do indivíduo com o ambiente, tornando-se então necessário, o estímulo e exercícios adequados para o bom desenvolvimento da função visual, e de forma mais precoce possível, pois a falta destes poderá acarretar em bloqueios no desenvolvimento da criança e até mesmo anomalias ou ambliopias, embora não haja lesão orgânica. Segundo Royo e Urquízar (2012),

Os aspectos mais relacionados com a deficiência visual são: déficit da acuidade visual e do campo visual, a sensibilidade ao contraste, dificuldade daacomodação e na adaptação/regulação à luz/escuridão e a visão binocular.
De forma bastante particular, acreditamos que para o profissional da educação que lida com a criança com deficiência visual, é bastante importante ter conhecimento do rendimento que o aluno afetado pode obter de sua visão, isto é o que se chama de visão funcional. Este conhecimento não deve permanecer no âmbito da curiosidade, mas servir um subsídio para que o educador tenha condições de propiciar ao educando melhores condições de ensino através da adequação metodológica e  curriculares, favorecendo desse modo o seu processo de aprendizagem.
Ainda na percepção de Royo e Urquízar, o educando com problemas relacionados à falta de visão podem apresentar algumas dificuldades tais como: autoimagem alterada, deficiências no vínculo mãe-filho, distorção na percepção da realidade, subutilização do resíduo visual existente, impossibilidade de acompanhar ou imitar comportamentos, gestos e jogos, problemas no controle do mundo circundante, amadurecimento e desenvolvimento em ritmo mais lento (aspecto motor mais precisamente), transtorno de atenção e hiperatividade e a necessidade de estimulação precoce. Se observarmos de forma bastante atenta e tendo com sustentação teórica estudos de Piaget e Vygotsky, podemos observar que o processo evolutivo da pessoa com deficiência visual, obedece às mesmas leis de desenvolvimento dos demais, ainda que de forma consistente apresente algumas diferenças, específicas de cada tipo de perda visual.
Seguindo a abordagem piagetiana, percebemos a ênfase em seus estudos sobre o desenvolvimento intelectual nos seguintes aspectos: o biológico (organização/adaptação, assimilação/acomodação), que para o deficiente visual já começaria com prejuízo, tendo em vista que experiências precoces são fundamentais, tanto no aspecto afetivo quanto no sensorial, que irá determinar sua possível adaptação e ainda outro aspecto: o psicológico, que dá sustentação à evolução dos estágios do desenvolvimento, que passam pelo sensório-motor, pré-operacional, operações concretas e das operações formais.
O que difere no processo de desenvolvimento da criança cega ou com baixa visão, serão as inúmeras situações que irão evidenciar a construção conceitual de imagens, percebe-se aqui a necessidade de um trabalho pedagógico mais intenso, no sentido de ampliar estratégias que permitam a obtenção destas representações por outras vias sensoriais, iniciando assim o período de abstração, para que ocorra uma equiparação das suas estruturas funcionais.

4.1. A CRIANÇA E O ATENDIMENTO EDUCACIONAL A PARTIR DO ESPAÇO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONCEPÇÕES PIAGETIANAS

Piaget desenvolve sua teoria do desenvolvimento cognitivo ou intelectual a partir de observações e investigações sobre o desenvolvimento do pensamento humano, num período do nascimento até a adolescência. E nestes estudos, o autor enfatiza o desenvolvimento da cognição como um processo não relacionado exclusivamente ao processo da maturação, nem mesmo como um produto único do meio, apesar da enorme influência exercida por ele, pois biologicamente falando, a inteligência adapta-se ao meio pela ação, mas a mesma se amplia no modo de agir diante da construção e avanços de novos esquemas mentais, permitindo, assim, a absorção de novas informações e desafios, num movimento contínuo de aprendizagem.
Toda criança interage com o mundo por meio de atos como da sucção, visão, audição e preensão, na medida em que recebe estímulo e interage, a criança enriquece ainda mais os comportamentos já adquiridos. Provavelmente, a criança inserida no espaço da educação infantil já esteja finalizando a etapa do período sensório-motor, onde através da organização, percepção e ação, a criança já estabelece seu sistema de relação com o mundo. Inicialmente, este bebê não tem consciência de si, como ser individual, separado da mãe e do mundo que a cerca, esta separação começa pelo aspecto físico concreto e pela construção de uma nova realidade extrínseca e intrinsecamente significativa.
No espaço da escola é importante a promoção do ato motor como tocar, carregar, movimentar, balançar e manusear, todas estas atividades despertarão na criança o prazer pelo movimento, que futuramente irá ajudá-lo a formar sua consciência corporal. Para que a criança com deficiência visual possa organizar suas experiências e relacioná-las com o mundo é de fundamental importância a maneira de agir do educador, também falar, abordar, tocar, segurar, cantar, acompanhando sempre seu jeito de ser da criança, saber do que gosta, o que lhe dá prazer e segurança, nesse processo de dialética inicia-se suas relações mais objetivas, também são importantes os esquemas lúdicos ou imitativo, quando a criança imita e repete aquilo que lhe dá prazer, esses movimentos acompanhados, assistidos são denominados de co-ativos, possibilitando assim, a percepção do outro, compreendendo de forma tátil (sinestesicamente) a ação, precisa-se fazer o uso do corpo todo, das expressões e gestos como funções pré-simbólicas.
Ainda nesta fase é recomendável à escola, o uso de objetos para satisfazer necessidades e expressar a intencionalidade, num processo representativo para a comunicação do pensamento, nesse período pode-se fazer o uso dos barulhos, movimentos, seleção de sons para ouvir e desenvolver ações mais funcionais, tendo a família como parceira constante.
Algumas crianças com perdas visuais apresentam um jeito diferente de brincar, brincam com sons batendo em outros objetos repetidamente, com o barulho e vibração de objetos nos dentes ou em outra parte do corpo, podendo esta característica ser confundida com blindismo, movimentos repetitivos ou estereotipados, próprios de crianças com deficiência visual, mas a criança poderá estar apenas buscando uma auto satisfação, pode estar se sentido muito só, não se pode através dessa percepção, rotular, porque existe a necessidade de uma avaliação funcional ou pode ser também uma forma de auto organização.
O que se tem por certo é que o brincar é fundamental para todas as crianças e para as que têm ausência de visão ela é fundamental para evitar o encapsulamento. Através do lúdico abrem-se as possibilidades de conhecimento e reconhecimento de mundo, interação, propriocepção e movimentos. Os jogos corporais promovem o reencontro dos objetos conhecidos na vivência do tempo e do espaço, a noção de permanência do objeto e consciência de si mesma, desenvolvendo a percepção, a previsão e a antecipação, numa troca de inter-relação com as pessoas e com o meio.


4.2 O USO DAS ATIVIDADES LÚDICAS NA METODOLOGIA DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL
Segundo alguns autores, dentre eles Bruno (1993), a deficiência visual diminui na criança as possibilidades de apreensão do mundo que a cerca, acabando por interferir no desenvolvimento e aquisição dos esquemas cognitivos e na adaptação ao meio. Segundo a concepção piagetiana, toda inteligência consiste na capacidade de adaptação às novas situações, processos estes denominados de assimilação acomodação, que são processos complementares de adaptação ao meio. Ainda na concepção de Piaget (1977), a criança nasce em um meio percebido por ela como caótico, de percepção de tempo e espaço subjetivo, mas filogeneticamente formado, com estruturas reflexas, que a partir da interação com o meio, passa a transformar-se em ações concretas. As primeiras ações que refletem o processo de assimilação e acomodação, observado por Piaget nas ações de: sugar, ouvir, pegar, ver e sentir, num ato de reconhecimento do meio e das possibilidades de assimilação (aprendizagem). Assim, assimilação seria a percepção dos significados, através de uma ação vivenciada e o espaço escolar apresenta-se como um espaço rico nas variedades de situações estimuladoras que pode e deve ser utilizado  todo momento como momentos propícios de aprendizagem.
Para Piaget, o processo de acomodação é a modificação de um esquema pela ação do sujeito. O esquema se adapta – acomoda – para se transformar num outro esquema mais adequado. Por exemplo, o ato de pegar do bebê logo dá lugar ao ato de puxar, a transformação que ocorre da interação com o meio passa pela modificação nas estruturas superiores, quando a criança muda a experiência do pegar para o ato do puxar, essa nova significação dá lugar à acomodação, através de uma experiência vivenciada e que passa a fazer parte de si mesma.
Partindo deste pressuposto teórico, podemos concluir que a construção do conhecimento não é uma conquista externa, ou seja, algo que só se desenvolve a partir do que lhe é transmitido e sim uma construção a partir da interação entre o organismo e o meio, numa teia de ações sensórias motoras, que ao receber motivação, se organizam e se estruturam.
Ainda segundo Piaget, as estruturas mentais na criança são construídas a partir das estimulações nas ações sobre o meio e nas relações com as pessoas, objetos em diferentes circunstâncias. A partir desses movimentos e das concretizações é que a criança vai deixando sua percepção cósmica de um mundo mágico regido a partir dos seus desejos e vontades e de ausência de objetividade. Toda assimilação reflete em ações que demonstram a percepção da constituição de um mundo mais real, estabelecendo relações espaciais, temporais e de causas, tomando assim consciência de si, das relações e dos movimentos entre os objetos, na construção de um sistema de significação, passando logo após para o nível simbólico, com sua capacidade de representação em níveis de maior complexidade, começam a ter noção de espaço, tempo, causalidade, propriedades, quantidades e outros.
O desenvolvimento humano é complexo, além da dimensão biológica e cognitiva envolve também as dimensões social e afetiva, numa composição holística, estes níveis de desenvolvimentos apresentam suas particularidades e varia de um indivíduo para outro, em tempos e ritmos próprios. No contexto da deficiência, a maior perda da pessoa que tem deficiência visual, seriam estas relações com o meio, o que gera déficit na qualidade da sua aprendizagem. Para o trabalho de estimulação com a criança com déficit visual é necessário que o professor promova a construção do conhecimento como um todo, através da sua interelação e comunicação com o outro, estimulando-o  nas descobertas do mundo ao seu entorno, incentivando sempre sua independência e autonomia.


4.3 A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SEU DESENVOLVIMENTO SENSÓRIO-MOTOR

Ao nascer, a criança dá fantásticas demonstrações das suas capacidades perceptivas, através do uso dos sentidos como mecanismos básicos de adaptação ao meio, neste período, a funcionalidade e o desenvolvimento motor  estão estreitamente relacionados na busca de experiências que facilitem a atuação do sistema visual, na mobilidade e movimentos oculares, da cabeça e do corpo na  busca visual da luz, do brilho e dos movimentos.
Na criança com perda visual severa esta busca se torna ausente, dificultando assim o desenvolvimento e reação do sistema vestibular, responsável pelo equilíbrio, movimentos motores e postura adequada, que em conjunto com as sensações proprioceptiva, táteis, visuais e auditivas se tornam responsáveis pela ativação e desenvolvimentos dos processos neurais que levam à aquisição da percepção e orientação no espaço, este desenvolvimento de percepções vai depender da qualidade das experiências táteis e sinestésicas ofertadas, vivenciadas no período sensório-motor.
A falta do movimento do giro cefálico enfraquece a musculatura do pescoço, porque  a criança deixa de exercitar e fazer os movimentos de rotação da cabeça, para o fortalecimento desse tônus muscular são necessários movimento de ângulo horizontal, vertical e diagonal, estes movimentos precisam  ser bastante estimulados também para crianças com surdez, pois ao não identificarem as fontes sonoras nas primeiras etapas do seu desenvolvimento, também deixam de exercitar esta musculatura.
O estímulo com uso de objetos, movimentos, imagens é que motivarão a criança à uma reação. As mãos da criança com deficiência visual também requerem cuidados, por não terem a visualização de objetos e situações à serem manuseados, se não exercitam o movimento de apreensão, tendem a ficar com as mãos espalmadas ou com os dedos endurecidos, quase sem movimentos, por não se exercitarem podem acabar desenvolvendo as estereotipias por falta de experiências sensórios motoras significativas, que são desenvolvidos em esquemas de movimentos rítmicos próprios. Recomenda-se então, fazer a estimulação no sentido de poderem observar de forma tátil (sinestésica), o movimento das suas próprias mão e a dos outros para poder assimilar, conservar e produzir outros tipos de movimentos.
O sentido visual é o responsável pelo comando, pela antecipação e coordenação dos outros esquemas de assimilação. Ex: o olho guia a mão, a visão rege a preensão e aumenta a flexibilidade da mão, toda esta coordenação se estabelece pela ação na presença do objeto apresentado pelo campo visual. Com a criança que não enxerga, ela deve ser avisada auditivamente e alertada da proximidade do objeto com a costa da mão, percebendo assim a distância do objeto e seu corpo, assim ela coordenará os esquemas audição-preensão, assimila-se então que tudo o que pode ser ouvido e tocado pode ser apreendido.


4.4 A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL: A REPRESENTAÇÃO DE CONCEITO E CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM

Na perspectiva vygotskyana, o ensino formal exercido pela escola exerce um papel fundamental na formação de conceitos pela criança, oferecendo um acervo de conhecimentos sistematizados sobre temas, que de modo geral, sobre alguns aspectos que não estão ligados diretamente ao contexto vivenciado por ela. Para Vygotsky, a deficiência tem dupla influência sobre o processo de desenvolvimento, unindo a limitação ao fortalecimento do indivíduo, pois ao aceitar a deficiência e tomar consciência de um certo sentimento de inferioridade atribui ao indivíduo um instrumento de força superior ao próprio sentimento.  Por isso afirma-se que,Vygotsky  (1987, p. 50), acrescenta:

O desenvolvimento dos processos, que finalmente resultam na formação de conceitos, começa na fase mais precoce da infância, mas as funções intelectuais que numa combinação específica formam a base psicológica do processo de formação de conceitos, amadurece, se configura e se desenvolve somente na puberdade (VYGOTSKY, 1987, P.50).

De acordo com esse pressuposto, podemos considerar que o aprendizado escolar tem forte influência no desenvolvimento das estruturas e das funções superiores na sua fase de amadurecimento. Para Piaget, a construção da linguagem depende da função semiótica, ou seja, a capacidade que a criança adquire, de distinguir o significado do significante. Esta condição necessária para a construção da linguagem, mas não é condição suficiente, por isso segundo Piaget,

A construção do discurso não depende apenas dessa capacidade, mas de toda uma organização espaço-temporal e causal das representações. Sem essas organizações que procedem das organizações à nível das ações, para depois revelar as organizações dos eventos, dos objetos e das pessoas em relações espaço-temporais e causais (PIAGET apud CHIAROTTINO,1988, p.59).

Desse modo, a construção do sistema de significação da possibilidade de imitação gestual e fônica e de pessoas que possam compreender e interpretar o que a criança quer expressar é que surge a imitação dos signos da linguagem e a comunicação, partindo da citação acima, a aquisição da linguagem, se torna possível, quando a criança passa a representar por imagens aquilo que vivenciou, organizou e estruturou no período sensório – motor. A partir do momento em que a criança puder representar suas ações e vivências, poderá refletir sobre o seu passado através de imagens, e, assim, poderá também fantasiar, imaginar, prever e antecipar.
Assim, a criança que tem deficiência visual, com certeza, encontrará dificuldades para estabelecer sistema de significação em detrimento da ausência de observação direta de pessoas, objetos e situações que levam à interação. Algumas vivências no cotidiano materno concorrem para a pouca ação motora e maneiras estereotipadas de agir. Tal capacidade básica está diretamente relacionada à qualidade das primeiras interações e comunicação com a figura materna ou com quem a cuide, no ato do tocar, pegar, acariciar para torná-la mais receptiva. Na voz, a variedade de tons e ritmos, estimulando as expressões fonéticas do gorjeio, balbucio, choro, riso e imitação e repetição  silábica como forma de interação e comunicação. Ao interagirem, essas crianças, se conectarão ao  real através da reorganização do sistema sensório motor, vozes, passos, cheiros, movimentos, descrição do ambiente serão estímulos muito importantes nesta fase de desenvolvimento.
Neste processo, a linguagem constrói-se na relação sócio-afetiva na interação com o outro e com o meio, vivência esta que passa pelo viés da educação inclusiva, ao enriquecer e estimular o ambiente da escola para a convivência entre videntes e não videntes da sua própria idade, assim tendo a percepção de sua própria imagem corporal e hipóteses perceptivas, simbólicas, buscando e promovendo representação de suas experiências no tempo e no espaço, através da ação, da aquisição e assimilação de conceito e da própria linguagem. Sobre isso se sabe que,

A posição social conscientemente avaliada constitui-se a força do desenvolvimento psíquico. Os mecanismos funcionais como a memória, a intuição, a atenção, a sensibilidade e o interesse frente às adversidades enfrentadas conduzem à constituição de uma super resistência e à transformação de inferioridade em superioridade, a incapacidade em competência em talento  (VYGOTSKY, 1989, p.12).

Nesta perspectiva se convergem de forma dialética das resistências naturais em técnicas objetivas, entre saberes e subjetividade. O grande mote da produção deste texto é o de disseminar conhecimentos a respeito da questão em foco, para que os fazeres pedagógicos sejam mais adequados ao atendimento escolar à ofertado, numa abordagem sucinta e objetiva para que as intervenções educativas, no atendimento à deficiência visual, sejam mais efetivas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Embora os dois teóricos Piaget e Vygotsky tenham elaborado estudos através da observação e experiência com crianças, suas linhas teóricas caminham de formas distintas, mas paralelas e em alguns pontos há consenso, enquanto o suíço abre o leque de sua pesquisa com maior ênfase sobre o aspecto biológico, o teórico russo direciona seus estudos para a questão da determinação histórica e cultural no aspecto psicológico da criança e ele busca evidenciar que na medida em que a criança desenvolve, a criança obtém ferramentas para intervir no ambiente e no seu próprio eu, numa concepção de seres ativos e cognoscentes.
Levando em conta o meio em que a criança nasce, a linguagem utilizada nesse meio e o uso do corpo na interação com o objeto, Piaget compartilha com Vygotsky, na percepção da importância desta interação. O que torna mais enriquecedora a teoria vygotskyana é os adicionais que ele acrescenta diante do seu conhecimento sobre o materialismo dialético e sua percepção do funcionamento orgânico através do alto grau de plasticidade das estruturas neurais e da forma como concebe a aprendizagem voltada para os contextos culturais e históricos, que passam por uma transformação contínua e da qual a criança participa desde o seu nascimento, estabelecendo assim sua linha de pesquisa em duas vertentes: de que a criança, apesar da unidade dialética, o seu desenvolvimento cognitivo depende do seu desenvolvimento biológico e cultural, divergindo ainda de Piaget na questão da existência de processos internos e no desenvolvimento espontâneo dos processos mentais, salientando que não é a criança que está passiva no processo de aprendizagem, mas que cada uma assimila previamente uma situação real e depois age sobre ela.
De acordo com a organização mental internalizada pela criança, ele faz as primeiras tentativas e erra na resolução de problemas, depois, com acompanhamento da fala,  ela age novamente, e suas ações demonstram o que foi internalizado e apreendido por ela, tendo refletida nessas ações o que ela apreendeu na relação com as pessoas ou com o objeto da aprendizagem.
Tendo em vista a educação da criança com deficiência, as vivências de experiências sensório motoras, organizadas pela própria criança é que vai ajudá-la na atuação com o mundo, dando-lhe condições de pensar, criar e participar. É uma reflexão que serve para mudanças no atendimento não apenas da criança com problemas visuais, como de todas as demais, com outras deficiências, outras dificuldades. E como todas as outras crianças, a deficiente visual consegue e deve ter uma participação ativa em todas as atividades realizadas no espaço da escola, embora adaptações precisem ser pensadas para favorecer esta participação, estas adequações irão harmonizar suas necessidades dentro do espaço físico da escola, das atividades específicas com diferentes usos de técnicas.
A formação básica e continuada para os educadores, planejamento adequado, parcerias interinstitucionais, aprendizagens através de um ensino com uso de recursos altamente especializados, como alfabetização em braile e uso de soroban, e ainda, recursos tecnológicos e de estimulação visual, todas estas  estratégias sempre utilizadas de maneira conveniente e criteriosa.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRAGAS C. NATALIEGuia do Professor para o Desenvolvimento da Capacidade de Aprendizagem Visual. FLCB, São Paulo, 1978. Trad. Jurema Venturine e outros.

BRUNO, Marilda e OUTROS. O Deficiente Visual na Classe Comum. CENP/S.E.E/SE,São Paulo, 1986.

CHIAROTTINO, R.Z Psicologia e Epistemologia Genética de Jean Piaget. E.P.U, São Paulo, 1988.
KISHIMOTO, t. m.(Organizadora). O Brincar e suas Teorias. Pioneira. – São Paulo,1998,
PIAGET, J. A Construção do Real na Criança. Rio de Janeiro, Ática, 2003.REGO, T.C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.


REGO, T.C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
ROYO, M. A. & URQUÍZAR. N. L. (Coordenadoras); Bases Psicopedagógicas da Educação Especial. Trad. Ricardo Rosenbusch. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

SKLIAR, C. (Org.). Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento do processo psicológicos superiores/L. S. Vygotsky; organizadores Michael Cole... [et al.]; tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange astro Afeche. – 6ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998.



[1] A Professora Sonia Maria de Oliveira é Formadora da Educação Especial do Centro de Formação e Atualização de Profissionais do Ensino Básico – CEFAPRO/Cáceres-MT.

Nenhum comentário: